Viagens pelo tempo sempre fascinaram os apreciadores de ficção científica. Pois saiba que outro dia entrei numa dessas agências de banco eletrônico e de repente percebi que, sem querer, havia embarcado numa máquina do tempo. A coisa balançou um pouco, piscando luzes coloridas e, quando me refiz do susto, vi que estava escrito no painel: “1786, Inglaterra”.
Ao sair da cabine, me vi numa espécie de fábrica, com algumas teares manuais sendo operados por mulheres e crianças, e alguns homens aprendendo a trabalhar numa máquina nova, a vapor. Cheguei perto e perguntei, para um dos aprendizes, que máquina era aquela.
“Ainda não conhece?” – disse o rapaz. “É o tear mecânico de Cartwright. Produz mais do que todos aqueles teares manuais juntos!”
“Então vocês já estão em plena Revolução Industrial?” – perguntei.
“Que revolução?”
“A Revolução Industrial! Não vê que está mudando tudo? O modo de vida das pessoas, as relações de trabalho, a economia do mundo, a política, os costumes, as cidades, o campo… É uma grande transformação na História da Humanidade!”
“Você é doido ou o quê? Revolução coisa nenhuma! Isso é só uma máquina, que o patrão colocou aqui para o trabalho render mais” – disse ele, fazendo um muxoxo e se afastando.
No galpão esfumaçado e barulhento, gente maltrapilha trabalhava sem qualquer equipamento de segurança e nenhuma higiene. Estava olhando a movimentação, surpreso com as péssimas condições de trabalho, quando a fábrica foi invadida por um grupo de tecelões, aos gritos, armados com paus e pedras, revoltados com a chegada da nova máquina, pois achavam que ela ia condená-los à miséria, eliminando o trabalho que eles faziam em casa com seus fusos.
Fui correndo para a nave, dizendo: “Tenho que sair daqui, urgente”. Parece que o computador entendeu, pois em décimos de segundos a porta se fechou. E logo em seguida reabriu, mas o ambiente era outro.
Em volta de mim, alguns prédios leves, quase transparentes, ligados por parques ajardinados. Caminhei por uma alameda de árvores e entrei num dos pavilhões. Fiquei impressionado com a atmosfera amena que reinava ali. Cores claras, luz natural, música suave, uma pracinha entre um grupo de máquinas que pareciam ser comandadas por pessoas com pequenos computadores de mão.
Cheguei perto de um deles, que percebeu minha curiosidade e explicou:
“Estou programando a máquina para encomendas que acabam de chegar de vários pontos diferentes do mundo, pela internet. Cada consumidor quer de um jeito diferente.”
“Como? Um produto diferente para cada comprador?” – perguntei, assustado.
“É claro. O atendimento tem que ser totalmente customizado, no perfil de cada cliente.”
Dito isso, olhou o relógio de pulso e, num rápido toque, começou a conversar com alguém. Pelo jeito era sua mulher.
“Oi, querida, já terminei e só estou conversando com um amigo…” (virou o videofone de pulso em minha direção para me focalizar) “…mas daqui a pouco vou para casa”.
Antes de sair, convidou-me para tomar um suco na pracinha ao lado das máquinas. Disse-me que já havia trabalhado mais de três horas naquele dia e que iria passear com os filhos à tarde.
Voltei para a máquina do tempo, meio desconcertado, sem saber em que ano tinha ido parar. Devia ser lá pelo ano 2100, pensava eu. Mas quando olhei direito o painel, vi que estava só cinco anos à frente do meu tempo!
Sem que eu fizesse mais nada, a nave me trouxe de volta e cá estou.
* * *
Fantasia? Realidade? Essas duas coisas estão sempre juntas na mente humana. Mas aprendi nessa história principalmente o seguinte:
Quando estamos no meio de uma verdadeira revolução, só muito tempo depois costumamos ter consciência disso.
Estamos num tempo de rápidas transformações. Muito mais rápidas do que se imagina.
As condições de trabalho (e a qualidade de vida, em geral) podem ainda estar longe de ser ideais, mas são muito melhores do que já foram noutras épocas.
Quantidade de horas trabalhadas e de esforço físico não é sinônimo de qualidade nem de produtividade.
No futuro, as esposas continuarão a telefonar para o nosso trabalho. Só que teremos mais tempo e mais disposição para elas…
E como diz Domenico de Masi em seu livro “O ócio criativo”, citando um conto de Borges: “Quando o discípulo pergunta se o paraíso existe, o mestre Paracelso responde dizendo que tem certeza de que o paraíso existe: e é nesta nossa terra. Mas o inferno também existe: e consiste em não se dar conta de que vivemos num paraíso.”
Para terminar, uma frase de Beatrice Bruteau:
“Não podemos aguardar que os tempos se modifiquem sem que a gente se transforme também, por uma revolução que chegue e nos leve em sua marcha. Nós mesmos somos o futuro: nós somos a revolução.”