Havia um rei, em um país distante, que alternava momentos bem humorados com outros de extremo mau humor. Os súditos que precisassem ser recebidos por ele, ao marcarem audiência preocupavam-se com o estado de espírito do rei naquele dia. E isso era imprevisível.
A preocupação dos súditos tinha razão de ser. Quando estava mal humorado, a pessoa já entrava na sala do trono ouvindo toda sorte de injúrias e maus tratos. O rei jogava seu mau humor em cima dos pobres súditos, sem hesitar. E – pior! – jamais decidia favoravelmente sobre o que lhe solicitavam nesses dias.
Quando estava de bom humor, no entanto, o rei mostrava-se generoso e magnânimo.
Era uma questão de sorte. Cara ou coroa. Ninguém jamais tinha conseguido um “sim” de Sua Majestade nos dias de tempo fechado.
Havia um súdito que trabalhava no campo, tirando seu sustento do cultivo da terra, e que precisava desesperadamente resolver uma pendência. Dependia da decisão favorável do rei, caso contrário, perderia sua casa e suas terras. Não teria nem como abrigar e sustentar sua família e cairia na miséria se o despacho do rei lhe fosse desfavorável.
Na noite anterior à audiência, ele nem dormiu. Ficou pensando em como agir se o rei estivesse de mau humor. Todos no reino diziam que não tinha jeito nesses dias. E desmarcar a audiência, nem pensar, pois o súdito que faltasse a um compromisso marcado pelo rei nunca mais teria o direito de ser recebido por ele.
Enquanto orava, de madrugada, pedindo inspiração, o lavrador ouviu cair sobre seu teto um forte barulho de chuva. Chegou a ficar preocupado com o seu destino, caso o rei estivesse de mau humor no dia seguinte. Mas eu seguida veio à sua mente o benefício que aquela chuva traria para sua plantação. E dormiu mais tranqüilo, depois de terminar suas orações.
No dia seguinte, ao chegar nos portões do palácio, pela cara dos sentinelas ele já percebeu que o clima estava ruim na sala do trono.
Subiu as escadas preocupado, mas, enquanto atravessava os corredores que o levariam ao rei, veio-lhe à mente a chuva daquela noite.
O rei estava bufando quando ele entrou. Brigava com todos os ministros ao mesmo tempo. Uma descompostura geral. Xingava o primeiro ministro de palavrões tão pesados que até as paredes tremiam.
Ele chegou pisando leve, colocou-se no lugar que lhe indicaram e esperou um pouco. Por fim o rei voltou-se para ele, com uma expressão nada amistosa. Ele curvou a cabeça respeitosamente e ouviu uma pergunta enraivecida:
“E tu? O que fazes aqui? Diz logo! Não tenho tempo a perder!”
O lavrador levantou a cabeça e, sorrindo, disse calmamente:
“Vossa majestade é como o céu. Quando lança relâmpagos e trovoadas, é que está prestes a mandar o benefício de sua chuva. Por isso tenho esperança de que me concedereis o direito de permanecer na terra onde moro, para que eu continue meu cultivo e faça boas colheitas.”
A fala do lavrador desarmou o mau humor do rei, que ouviu em silêncio até o fim, acalmou-se, pensou por alguns instantes, abriu um sorriso e concedeu ao requerente não apenas o que ele pedia, mas também todos os adubos e sementes que ele precisasse em seu plantio.
(Adaptação de um conto do escritor marroquino At-Tartuchi. Trecho do livro “Voando como a águia”)