Algumas recordações da infância vêm à tona em forma de ensinamentos. São insights valiosos, ou seja, é como ver “cair a ficha” décadas depois. Como nasci no interior paulista, onde vivi grande parte da minha vida até chegar o momento de ir cursar faculdade na capital, as situações simples do meio rural transformam-se hoje em fonte inesgotável de metáforas que utilizo em minhas palestras e livros.
Menino pequeno, eu olhava as árvores do sítio de meu pai e tinha especial interesse pelos eucaliptos, que ele sempre plantava numa parte de toda terra que comprasse. O “talento” que têm os eucaliptos para crescer rápido, com o tronco liso e reto, era motivo da preferência de meu pai e também da minha curiosidade. Como ele escolhia alguns para não serem cortados, destacavam-se na paisagem algumas árvores altas em meio a dezenas de arvorezinhas em crescimento.
Em plena fase dos “por quês”, perguntei o motivo a meu pai e ele respondeu que deixava algumas crescerem mais para servirem como madeira de construção: tábuas, vigotes, caibros e ripas. As que eram cortadas mais novas eram vendidas para uma fábrica de papel.
Embora entendendo as razões de meu pai, eu ficava pensando no destino das árvores que eram cortadas ainda jovens. Seu proveito era menos importante? Hoje, quando pego este jornal ou um livro para ler, vejo que elas também tiveram uma missão das mais nobres, na forma de publicações impressas.
Com destinos diferentes, transformados em casas, móveis ou livros, todos aqueles eucaliptos tiveram seus talentos aproveitados de um modo bastante útil.
Hoje convivo com profissionais das mais diversas especialidades e de todos os níveis hierárquicos. Algumas funções são aparentemente mais nobres e têm mais prestígio, enquanto outras são desvalorizadas, mas são essenciais. Quando ligo para uma empresa, sei que a telefonista que me atende é uma verdadeira recepcionista do contato que vou estabelecer com o diretor. Quando vou começar uma palestra para centenas de profissionais de alto nível, para mim o profissional mais importante naquele momento é o técnico que opera meu microfone. E quando a palestra termina, ninguém é mais importante do que o motorista que vai me levar até o aeroporto…
Dar importância a funções que aparentemente têm pouco prestígio não deve ser uma simples técnica de Recursos Humanos, mas sim uma atitude verdadeira e lúcida de quem lidera pessoas. O que seria de nós, por exemplo, sem o trabalho do faxineiro e do lixeiro? Como eu trabalho com motivação, quando comento esse assunto costumo escutar a seguinte pergunta: “O que motiva um lixeiro para o seu trabalho?”
Em uma de minhas palestras, conheci um profissional que desenvolvia um trabalho digno de ser conhecido e admirado: uma campanha de valorização do trabalho dos lixeiros, feita no município de Belo Horizonte. A campanha mostrava ao profissional de limpeza urbana que sua atividade está ligada diretamente à saúde e à integridade da população. Além de várias promoções entre os garis, como concursos de obras de arte feitas de sucata, o papel do “homem de limpeza” era colocado de maneira extremamente dignificante, repercutindo para toda a população.
É possível, e muito importante, motivar os profissionais de atividades pouco prestigiadas, mostrando a nobreza do seu trabalho. O aumento da auto-estima reflete-se imediatamente na qualidade do trabalho e até mesmo sobre as condições profissionais e pessoais. A pessoa que dá valor a sua atividade torna-se um pai mais dedicado, um cônjuge mais atencioso, um cidadão mais digno e um profissional mais apto a evoluir em sua carreira.
Além disso, valorizar profissões como a de lixeiro é também uma forma de ampliar a motivação de quem trabalha em ambientes confortáveis, com ar condicionado e todas as comodidades, sem se expor a riscos e sem precisar correr pelas ruas atrás de um caminhão de lixo.
Certa vez fui à cidade de Tangará da Serra fazer uma palestra e lá encontrei um caminhão-pipa que tem a função de limpar fossas. Um trabalho muito útil mas que, devemos admitir, não é dos mais aprazíveis e carrega consigo a imagem do mau cheiro e da sujeira. O curioso é que, naquela cidade, o dono do caminhão, criativo e bem humorado, colocou um enorme letreiro na traseira do veículo, com a palavra “CHEIROSO”.
Por mais que ele trabalhe com algo que não é nada cheiroso, ao chegar junto ao cliente ele é recebido com alegria, pois vai libertar aquele local da um cheiro desagradável. Portanto, a marca escolhida por ele refere-se à conseqüência, e não às circunstâncias do seu trabalho. Ele valoriza sua profissão vendendo a idéia do resultado que vai alcançar com seu serviço.
Nosso trabalho será muito mais bem recebido e apreciado – inclusive por nós mesmos – se o encararmos além das circunstâncias difíceis do presente e nos sintonizarmos na meta, no estado de espírito que será possível alcançar quando o trabalho estiver concluído.
Se quiser um futuro alegre, não fique esperando que, um belo dia, tudo fique colorido a seu redor. Ligue-se desde já no bom humor, valorizando seu trabalho aqui e agora.