“E abençoou Deus o dia sétimo e o santificou; porque nele descansou de toda a obra que, como Criador, fizera.” (Gênesis, 2: 3)
É marcante a influência das tradições judaicas e cristãs na cultura das empresas norte-americanas. Um bom exemplo disso é o período sabático, que várias organizações vêm adotando nos Estados Unidos desde os anos 80, em suas estratégias de recursos humanos, principalmente para altos executivos. Depois de certo tempo de casa, o profissional pode afastar-se por um período de seis meses a um ano, para refletir sobre os seus objetivos na vida. Alguns dedicam esse período a uma vivência religiosa, como uma peregrinação pelo caminho de San Tiago de Compostela, uma atividade missionária em países distantes, ou até mesmo o isolamento em um mosteiro no Tibete. Outros, optam pela aventura, como percorrer a África de jipe ou escalar o pico da Neblina. Outros, buscam realizar algum sonho de vida, como escrever um livro ou viver como pescador no Pantanal. E há os que programam esse tempo para fazer cursos de aperfeiçoamento em sua profissão. Nas universidades, inclusive no Brasil, as licenças sabáticas são usadas pelos professores para atualizar seus estudos, pesquisar e escrever novos trabalhos acadêmicos.
O uso do período sabático, livre ou programado, depende da política da empresa e dos objetivos de cada um, mas um aspecto comum em qualquer dessas opções é a renovação das energias, a superação de pendências existenciais, o crescimento pessoal e profissional.
Na prática, há muitos séculos os hebreus adotam o período sábatico para o trabalho na terra: “Seis anos semearás a terra e recolheras os seus frutos; porém, no sétimo ano, a deixarás descansar e não a cultivarás” (Êxodo,23: 10-11). O próprio descanso semanal, que entre nós ocorre agora aos domingos, é um preceito bíblico: “Seis dias farás a tua obra, mas ao sétimo dia, descansarás; para que descanse o teu boi e o teu jumento; e para que tome alento o filho da tua serva e o forasteiro” (Êx.,23: 12).
A natureza nos mostra, em nosso próprio corpo, a importância desses períodos de descanso. O problema é que muita gente ultrapassa os limites da sensatez. Existem pessoas que não tiram férias e até se orgulham disso: “Há dois anos eu não tiro férias”, diz um. “Pois eu não saio de férias há quatro anos”, responde o outro, sentindo-se o máximo. Nem percebem quando o corpo emite sérios sinais de alarme. “Eu tenho uma úlcera”, diz um. “A sua sangra?”, pergunta o outro, competindo. “Porque a minha já está sangrando…”
Alguns empresários brasileiros me parecem bastante cansados quando os encontro em minhas palestras, porém a nossa cultura ainda é: “vou trabalhar até onde der, depois me aposento”. Alguns conseguem preparar sucessor, mas há muitos outros que se afastam e depois voltam correndo para tapar furos que ameaçam pôr a perder todo o patrimônio conquistado em anos e anos de trabalho duro.
É claro que o sabático pode tornar-se, com o tempo, uma prática proveitosa e consagrada. O ser humano sempre necessita de retiros para rever os seus valores. O próprio Cristo, antes de iniciar o seu curto ministério de três anos, ficou quarenta dias no deserto.
Porém, alguns pontos precisam estar bem claros na realidade das empresas, antes que o sabático seja adotado:
1- O afastamento afeta de alguma forma a posição já conquistada pelo profissional, inclusive quanto às possibilidades de promoção?
2- O executivo teme ficar vários meses afastado e perder o seu posto?
3- A remuneração integral e todos os benefícios serão mantidos?
4- Qual é o critério adotado pela empresa para avaliar a qualidade e o valor dos seus altos executivos?
5– A família participaria desse período sabático? A realização de desejos pessoais do profissional será acompanhada por sua mulher e seus filhos?
6- A empresa conseguirá respeitar o período de afastamento, ou o telefone celular daquele executivo estará sempre tocando?
7- A empresa está preparada para o caso de, após esse período de reflexão, o executivo decidir afastar-se por mais tempo ou mesmo desligar-se definitivamente para viver uma nova realidade?
8- O afastamento poderia ser usado como um recurso camuflado para dar a outras pessoas a chance de se desenvolverem com a ausência temporária do superior?
9- Quem substituirá o executivo durante o seu afastamento? Como será o seu retorno à empresa?
10– As atividades do sabático serão programadas em conjunto com a empresa? Serão dedicadas a cursos de aperfeiçoamento ou ficarão totalmente a critério do profissional?
Antes de tudo, é preciso rever os paradigmas das empresas em relação à qualidade de vida dos seus colaboradores, inclusive no próprio ambiente profissional. Como está o clima interno? A competição é sadia ou é uma “guerra de foice no escuro”? Como estão sendo conduzidos os processos de promoção e de sucessão?
Enquanto existirem nas empresas os profissionais que, mesmo estressados e safenados, não se permitem nem ao menos os períodos regulares de descanso, parece-me um pouco cedo para pensar em períodos sabáticos.
Antes de praticarmos o sabático na empresa precisamos aprender coisas bem mais simples, como tirar férias e usá-las adequadamente.