As árvores de Florianópolis já se vestiam com as primeiras flores da última primavera do milênio, quando embarquei no início da tarde para um vôo de aproximadamente 12 horas, com quatro escalas. Era minha segunda viagem a Macapá.
Estava prestes a bater o meu próprio recorde, pois costumo dizer em minhas palestras, em tom de brincadeira, que sou o único conferencista que já fez palestras em todas as capitais do Brasil, até mesmo na capital do Amapá. Agora poderei dizer: “Sou o único que foi duas vezes fazer palestra em Macapá!”
Na área em que atuo, especialmente em convenções de vendas, os eventos programados para a região Norte costumam ocorrer em Belém do Pará, às vezes em Manaus, e os participantes dos estados vizinhos deslocam-se até estas cidades. Por isso é raro ocorrer um evento desse tipo em Macapá. Pois é; quando ocorreu, estive lá.
Como passo mais tempo em aviões do que fazendo palestras, aproveito esse tempo da melhor forma possível. Foi nessa viagem a Macapá que escrevi a metade do meu livro Vida com Qualidade – Muitos querem e poucos conseguem. No Rio de Janeiro, onde o vôo fez escala, embarcaram alguns empresários que iam a Belém. Eu estava tão compenetrado na escrita do meu livro que nem levantei os olhos para esse grupo, que ia fazendo “chacrinha” no fundo do avião, onde costumo viajar.
Eu escrevia em média uma folha a cada 4 minutos. Quando estava lá pela trigésima folha, um dos participantes do grupo não se agüentou, pegou um copo d’água e, chegando-se de maneira carinhosa, me disse: “O senhor não quer molhar a ponta da caneta, para esfriar um pouco?”
Todos rimos muito e resolvi dar descanso à caneta, para iniciar uma agradável conversa com meus companheiros de viagem, que prosseguiu animada até Belém, que era o destino deles e minha penúltima escala.
A exótica fauna dos aeroportos
Nos bastidores deste nosso trabalho de conferencistas, para fazer boas palestras é indispensável manter o bom humor e o bom preparo físico. Motivos de estresse não faltam – o trânsito engarrafado para o aeroporto, as filas para o check-in, os atrasos, as bagagens, o celular que às vezes fica mudo, o corre-corre nos hotéis – e se eu for dando espaço a esses motivos a qualidade da palestra vai ser afetada por eles. Se falo tanto de entusiasmo, qualidade de vida e outros temas nessa linha, tenho que ser o primeiro a praticar o que falo.
Não posso me queixar dos locais para onde viajo. Afinal, as convenções de vendas sempre procuram lugares agradáveis para receber seus participantes: Fortaleza, Manaus, Salvador, Recife, Ilha de Comandatuba, Costão do Santinho etc. Mas não estamos indo nesses lugares a passeio, e não dá para ficar mais do que o tempo suficiente para cumprir o compromisso profissional e seguir em frente, rumo a outra palestra.
Então faço parte daquela fauna que vive circulando pelos aeroportos. É um pessoal meio cigano, que inclui jogadores de futebol, cantores, atores e políticos. O pessoal que trabalha em aeroportos já está acostumado a me ver andando sem parar de um lado para o outro. É que aproveito a espera para caminhar (muito melhor que ficar sentado resmungando por causa do atraso).
Em algumas cidades, conforme o tempo disponível faço trajetos maiores. Em Guarulhos, leva uma hora a caminhada de ida e volta do aeroporto até o Hotel Deville. Certa vez, voltando desse trajeto, estava na sala vip da Varig e puxei conversa com a moça da limpeza. Ela então me mostrou uma suíte com chuveiro, toalhas, shampoos e cremes, tudo o que eu precisava para um banho completo depois das minhas caminhadas. Até hoje estaria embarcando suado em Guarulhos, se fosse mal-humorado e caladão.
Próximo ao aeroporto de Salvador, nos dois lados da estrada, há um interessante bambuzal que forma um túnel verde sobre os carros que passam. Com um clima agradável e acolhedor, aqueles bambus, balançando ao vento, dão “boas-vindas” a quem chega e “volte-sempre” a quem está indo.
Como já contei no meu livro “A Força do Entusiasmo”, sempre que passo em Salvador e sobra um tempo enquanto espero o horário do avião, saio do aeroporto e vou andando até o bambuzal, penduro minha camisa num galho e fico caminhando debaixo dos bambus, enquanto admiro a beleza daquela vegetação. Já ouvi dizer que alguns habitantes de Salvador consideram esse bambuzal “assombrado”, talvez por causa dos uivos do vento entre suas folhas durante a noite. Espero que não seja por terem visto um sujeito sem camisa, de cabelos arrepiados, ziguezagueando entre os bambus…
Haja energia
Nos aeroportos ou a bordo dos aviões é que os conferencistas se encontram com mais freqüência. Como batalhamos no mesmo nicho, são inevitáveis as conversas sobre o mercado, os clientes, os lugares e os outros conferencistas. É claro que alguns adoram contar fofocas sobre os colegas, mas isso acontece em qualquer profissão. Numa situação assim, escuto e procuro praticar um preceito que meu pai me ensinou: “Não julgue para não ser julgado. Por que você vê o cisco no olho do outro e não repara na trave que está no seu próprio olho?” (Mateus, 7:1-3)
Mas o que me causa espanto é aquela mania que alguns coleguinhas têm (e outros profissionais liberais, como médicos e consultores) de contar vantagem dizendo que estão com a agenda lotada até 2002. Geralmente fazem isso para se valorizar. Quando o cliente faz contato para uma palestra, a secretária responde que vai tentar “abrir uma brecha”, então volta a ligar horas depois para o cliente, dizendo: “O senhor deu sorte! Houve uma desistência e consegui uma vaga na agenda!”
Confesso que não vejo vantagem alguma em ser ocupado demais. E, se hoje faço 200 palestras por ano é porque ainda tenho dificuldade em dizer “não”. Se usasse melhor esta santa palavrinha, não me obrigaria a falar de manhã em Guarujá (SP), de tarde em Belo Horizonte e à noite em Gramado (RS), como já aconteceu. Três palestras em um só dia é dose para leão!
Nesses dias, mais difícil do que enganar o cansaço é manter, até o último minuto da última palestra, a mesma energia que faz a platéia rir e se emocionar. Manter o público ligado e interagindo é o ingrediente mais misterioso do nosso trabalho. Não basta aprender mil técnicas, se não houver aquela chama que a pessoa traz de berço. E todo talento do mundo será pouco se descuidarmos do preparo físico, que nos garante energia. Outro dia fiz uma palestra para 4 mil suinocultores. Foi meu recorde de público. Todos sabem que não é mole interagir com 4 mil pessoas, e aquelas, em especial, estavam insatisfeitas com as empresas que compram seus produtos. Mas o pior não era isso. Esse povo do campo acorda cedo, almoça antes do meio-dia, e a palestra já começou bem depois dessa hora. E eu, de pé em cima de uma mesa, me desdobrando para segurar as atenções de tanta gente com fome!
Para que a energia não me falte, nos dias de palestra me alimento exclusivamente de frutas. Em todos os aeroportos, quando estou fazendo o check-in os funcionários da empresa aérea já mandam embarcar uma bandeja de frutas. Nem preciso mais pedir. Outro macete é evitar aqueles coffee-breaks cheios de biscoitinhos. Quanto melhores, mais perigosos. Quando não dá para fugir dos coquetéis depois de alguns eventos, só chego perto no final, quando restam apenas os enfeites. Muitos pensam que aqueles cachos de uvas e aquelas maças espetadas na melancia são apenas para enfeitar. É só deles que me sirvo.
Se não fosse a disciplina alimentar e as caminhadas diárias, seria difícil manter meus 78 quilos. Eu, que já tive 108 quilos, seria um conferencista enorme de gordo, falando de agilidade e qualidade de vida, já imaginou?
Posso fugir das guloseimas, mas estou sempre aberto à confraternização com as pessoas após a palestra. Ainda bem que tenho meus livros e o site www.gretz.com.br, para dar continuidade ao contato com tanta gente interessante e interessada, de todas as regiões do Brasil.
Um capítulo à parte são os contratantes, quase sempre extremamente simpáticos e entusiasmados. Existem os meticulosos, os organizados e os desligados. Alguns telefonam mais de vinte vezes para me passar detalhes do briefing (informações sobre a empresa, o público e o evento), outros marcam reuniões e organizam pastas cheias de informações, enquanto outros… me obrigam a ficar perguntando sobre a empresa ao motorista que vai me buscar no aeroporto.
Ter uma página na internet já me ajuda muito. Lá o contratante encontra todas as informações que precisa sobre mim, até mesmo fotos para um folheto do evento. Mesmo assim, às vezes chego para uma palestra e vejo, no folheto ou no cartaz, meu nome impresso, bem grande: “José Roberto Gretz”. Faço força para manter o bom humor e explico: “O certo é João Roberto. João Roberto Gretz!” Por essas e outras, prefiro ser chamado de Professor Gretz. Quem me encontra e esquece o nome, sabe que basta dizer: “Professor…” – e pronto. Além disso, esse é o único título que não gera ciúme em ninguém. Só pena. Por isso alguns colegas de magistério usam aquele plástico no vidro do carro: “Hei de vencer, mesmo sendo professor.”
Só não agüento mesmo é quando algum infeliz me apresenta ao microfone como “Professor Gretchen”!!!
De arrepiar
Cada uma das 200 palestras que faço por ano tem alguma curiosidade. São tantas histórias que daria para montar um livro inteiro sobre isso. Como este artigo já está ficando longo, vou contar apenas mais um “causo”, sobre a palestra que fui convidado a fazer em uma convenção de agentes funerários.
Na verdade, não pude atender ao gentil convite, porque tinha outro compromisso na mesma data. Mas fiquei imaginando o que teria acontecido.
“Trouxemos aqui o Prof. Gretz, para nos falar de motivação em vendas no nosso segmento…”, disse o mestre de cerimônias me apresentando. Foi um grande desafio abordar o tema. Do lado de fora da sala de palestras, havia um show-room de caixões com o mais fino acabamento e vários estilos de design, do clássico ao mais moderno. Tinha até caixão plugado à internet.
Quando a palestra terminou e me despedi, o mestre de cerimônias disse com uma voz bem grave e pausada: “Vai com Deus, Prof. Gretz. Quando precisar de nós, estamos à sua disposição.” Nesse dia, saí bem rápido e nem nota fiscal entreguei. Mandei depois pelo correio…
Lírios do campo
Quero aproveitar a chegada do século XXI para deixar ao amigo leitor uma breve mensagem. Com a ajuda do Criador, chegamos ao início de um novo milênio. Estou muito feliz por encontrar pela frente mais um ano de lutas e desafios. Só o fato de estar vivo e com saúde já é motivo para ser grato a Deus. Até aqui Deus nos ajudou e por isso estamos alegres! Vamos viver o dia-a-dia com amor, alegria, confiança e entusiasmo.
“Não vos inquieteis com o dia de amanhã, pois o amanhã trará seus cuidados; bastam a cada dia os seus próprios desafios.”