Há muitos anos trabalhei em uma empresa automobilística, no ABC paulista, supervisionando a equipe responsável pela qualidade de um dos modelos ali produzidos. Percorria os vários setores, para conhecer de perto o que fazia cada inspetor de qualidade, quando vi um operário examinando uma chapa que tinha um pequeno furo redondo. Cheguei perto dele e perguntei-lhe qual era seu trabalho:
“Controlo esse buraco”, disse ele.
Perguntei para quê aquele controle, e ele respondeu: “Não pode ter nenhuma rebarba no corte”.
“E para que serve?”, completei a pergunta.
Ele disse que não sabia, e saí dali imaginando a frustração daquele profissional quando, em casa, seu filho perguntasse:
“O que o senhor faz lá, papai?”
“Controlo um buraco.” Era só o que ele teria a dizer.
No dia seguinte convidei aquele operário para visitar a montagem final, que ficava em outra parte da fábrica, a mais de mil metros dali. Achei que assim ele poderia ver o motivo daquele buraco. Ele então ficou sabendo que por aquele orifício passava a fiação do farol e que, se houvesse alguma rebarba na chapa, isso provocaria focos de ferrugem que poderiam interferir, a médio prazo, no funcionamento da luz do veículo.
A expressão dele ficou diferente a partir daquele dia. Aquele homem não controlava um simples buraco: seu trabalho era importante para a segurança do automóvel, pois zelava pelo bom estado dos faróis.
Assim acontece com muita gente, que trabalha anos a fio sem saber a real importância do trabalho. À medida que evoluem os processos tecnológicos, torna-se ainda mais importante a atenção das empresas para situações simples como esta. É necessário criar mecanismos para que as pessoas possam sentir como é importante o trabalho que cada um desempenha, desde as tarefas rudimentares até as mais complexas.
Isso não se resolve com palavras bonitas nos house-organs nem com medidas paternalistas, e não é uma questão de ser “bonzinho” com os empregados. Trata-se simplesmente de reconhecer a importância do capital humano para a organização. Esse reconhecimento é conseqüência de uma mudança histórica: a força dos músculos vai sendo progressivamente substituída pela inteligência, no processo de criação de riqueza. E mesmo nos trabalhos braçais ocorre a valorização da mente, da criatividade e do know-how, já que a tecnologia absorve as tarefas mais pesadas ou repetitivas mas o cuidado humano continua imprescindível. A manufatura dá lugar à “mentefatura”.
* * *
Em uma das cenas finais do filme A festa de Babete, ela é questionada por ter gasto, em um jantar para um grupo de pessoas, toda a fortuna que havia ganho na loteria. A resposta da personagem é uma lição inesquecível: “Dêem-me a oportunidade de dar o melhor de mim.”
Sentir-se útil é uma condição de equilíbrio da personalidade humana, e todos têm o direito de dar o melhor de si. Ser mais produtivo, portanto, não é um dever; é um direito, que precisa ser viabilizado pela organização.
Isso vale para todo tipo de trabalho. Lidando com máquinas ou apenas com argumentos, em linhas de montagem ou em equipes de vendas, em escritórios ou balcões de atendimento. Se as pessoas não se sentirem num ambiente agradável e valorizadas pelo que fazem, fica muito difícil dar o melhor de si. O que torna agradável um ambiente de trabalho não é o mobiliário moderno e o ar condicionado, nem o mais sofisticado plano de assistência médica.
Já se foi o tempo (graças a Deus) em que o bom emprego era aquele lugar tranqüilo, estável, onde nada de novo acontecia e ninguém corria riscos. Hoje as boas oportunidades profissionais estão sempre associadas a desafios. Nada é estático. A aprendizagem tem que ser contínua e incessante. Os programas de treinamento cada vez mais fazem parte do dia-a-dia de todas as atividades profissionais.
Cabe às organizações definirem o foco exato de suas estratégias, para que todo esse movimento tenha perfeita sinergia. “Um rio sem margens não passa de um pântano”, diz um provérbio africano, mostrando o valor da disciplina, do rumo bem traçado, do tempo bem aplicado no estudo e no aprimoramento. Treinamento nem sempre é ensinar coisas novas, mas sim aprimorar o que já se faz direito.
* * *
Talentos humanos não se desenvolvem apenas com doses maciças de conhecimento técnico. Isso criaria profissionais robotizados, num momento em que o entusiasmo é tão necessário como fator de competitividade. Somente se supera um grande desafio com muito entusiasmo. Somente é possível encantar o cliente quando há entusiasmo.
Ter entusiasmo por uma atividade profissional pressupõe também estar entusiasmado para aprender, aprimorar-se continuamente, manter-se altamente qualificado, desenvolver ao máximo o próprio talento e o talento dos que o cercam.
* * *
Hoje sou consultor e conferencista, faço duzentas palestras por ano em todas as regiões do País, mas nunca me esqueço daquele operário que controlava um buraco na chapa de aço. Ao invés de idéias prontas, o que mais as empresas precisam promover é o comprometimento e incentivar a criatividade dos seus integrantes, e isso passa pela valorização do talento de cada um. O conhecimento técnico, por melhor que seja, será incompleto se não tiver a participação do pessoal que põe as mãos na massa. Geralmente, aquele que executa o trabalho é quem mais sabe sobre ele, e percebe melhor do que ninguém a melhor maneira de aprimorá-lo.
Em uma fábrica de pastas de dentes, um problema operacional prejudicava a qualidade das remessas do produto: algumas caixinhas saíam vazias da linha de produção, e eram despachadas para os revendedores sem a bisnaga de dentifrício. Então contrataram uma equipe de engenheiros para solucionar o problema.
A equipe técnica, depois de estudar o caso detidamente, projetou um dispositivo eletrônico que controlava a saída dos tubos em perfeita sincronia com as embalagens. Um investimento alto, mas que poderia beneficiar a imagem do produto. Quando discutiam, com o gerente de produção, detalhes do sofisticado equipamento, notaram que um operário parecia achar graça daquilo tudo.
“Por que você está rindo?”, perguntou-lhe o gerente.
“Tudo isso é só para tirar as caixinhas vazias?”
“Como assim?”, intrigou-se um dos engenheiros.
“Não é mais fácil ligar um ventilador aqui na saída da máquina? Se uma caixinha passar vazia, vai ser derrubada dessa esteira antes de ser empacotada…”