Esta história é contada por meu pai, em seu recente livro “Reflexões dos meus 82 anos”. Ele é um homem simples, com muita experiência de vida, e depois dos 80 anos começou a escrever suas recordações e reflexões. Em dois anos, já escreveu oito livros e está preparando mais dois. A cidade de Itapeva ganhou um escritor, que está registrando fatos da história e da cultura local, para as novas e futuras gerações.
Em 1924, meu pai veio de Curumbataí para comprar um sítio da Fazenda Palmeira, no bairro Taquari, município de Faxina. Chegando neste sítio, teve que construir uma pequena casa de barro para morarmos. Enquanto construía a casa no meio do sertão, sem conforto, dormia no rancho de sapê construído pelo Augusto Antim, pai do meu colega Carlos.
Quando terminou a cozinha, meu pai voltou para Corumbataí a fim de nos trazer para a casa que havia construído. Logo em seguida, ele viajou para São Paulo e eu e minha mãe ficamos sozinhos com um empregado de nome Berzim.
Perto do dia 25 minha mãe prometeu fazer uma árvore de Natal e fiquei esperando ansiosamente por este dia. Quando foi no dia do Natal, ela foi na mata, cortou um pequeno pinheiro, planta que lá havia em grande quantidade, e o colocou numa lata cheia de terra. Fiquei ansioso esperando o Natal.
Como minha mãe não tivesse nada para enfeitar aquela arvorezinha, desfiou um pouco de algodão e colocou nos galhos do pinheiro. Procurou algumas velas, mas não tínhamos nenhuma.
Ela, então, falou para o Berzim: “Vá na cidade e compre algumas velas para enfeitarmos o pinheirinho.” E eu esperei a tarde toda para ver um Natal que não aconteceu. Berzim foi até Faxina e não voltou naquele dia. Pousou lá, com as mulheres da cidade.
E como ficou o meu Natal sem as velas? Minha mãe me falava para esperar o Berzim porque ele ia trazê-las. A tarde chegou e nada das velas chegarem… Comecei a ficar impaciente e a chorar, coisa que eu sabia fazer bem.
Escureceu, eu queria ver o Natal e não parava de chorar. Cada vez chorava mais. Minha mãe ficou preocupada e não sabia mais o que fazer. Eu dizia, chorando: “Eu quero ver o Natal! Eu quero ver o Natal! Eu quero ver o Natal!” E o Berzim não chegava com as velas. Esta espera foi até as 10 horas da noite.
Minha mãe pedia que eu tivesse paciência e parasse de chorar, mas de nada adiantava. Eu berrava. Foi então que minha mãe falou: “Vamos descer lá no rancho onde seu pai dormia enquanto construía a casa. Pode ser que lá tenha ficado alguma vela.”
A noite era escura e chovia muito, mas mesmo assim ela me pegou no colo e com um pequeno lampião enfrentou a chuva e a escuridão para procurarmos as velas. Chegando no rancho, minha mãe me colocou no chão e, com o lampião procurou alguma vela. Por sorte, encontrou três.
Quando voltamos para casa, foi horrível. A chuva engrossou e começou uma grande tempestade de vento que não deixava aceso o lampião. O caminho de volta era numa pequena trilha pela mata mas, com o lampião apagado, minha mãe errou o caminho e eu chorava com medo dos raios e trovões.
Minha mãe ficou desesperada, pois não enxergava nada. Por sorte, eram tantos os relâmpagos que ela aproveitava os momentos de claridade para encontrar a trilha certa. Depois de muita insistência, conseguimos sair da mata e chegamos de volta em casa, onde eu queria ver o Natal.
Entramos em casa, os dois molhados dos pés à cabeça. Minha mãe trocou nossas roupas e, por sorte, era uma noite quente, de calor. Mas eu continuava chorando porque queria ver o Natal. Minha mãe cortou as três velas pela metade – de três passaram a ser seis – e colocou-as nos galhos do pinheirinho. Como não tinha grampos para prendê-las, pois naquele tempo as velas era grossas, ela as amarrou com barbantes. Em seguida, acendeu as seis velas e disse para mim que aquele era o Natal.
Olhei para aquele Natal, deitei-me no colo de minha mãe e, em cinco minutos, dormi até o dia seguinte.
Não tinha doces, nem presentes, nem bolachas. Mas eu me conformei pois nunca havia assistido a nenhum outro Natal. Para mim, aquele foi o melhor Natal do mundo porque minha mãe havia me carregado pela noite escura, no meio de uma tempestade, à procura de uma vela para enfeitar o nosso pinheirinho. E como eu chorei para conseguir ver o Natal…
Hoje reconheço o amor de minha mãe, que correu o risco de se perder numa noite de tempestade, dentro de uma floresta. Quando me lembro, ainda choro. Assim foi que terminou o nosso pobre Natal, talvez a noite de Natal que mais marcou a minha vida.