Em visita a um amigo, presidente de grande grupo empresarial, uma foto sobre sua mesa despertou-me a atenção. Num pequeno barco, em pleno Pantanal Matogrossense, ele posa com um peixe enorme. Ao seu lado, um caboclo de chapéu de palha e uma tosca vara de bambu.
Como também sou pescador e o Pantanal é meu refúgio predileto, não consegui disfarçar meu interesse pela foto. Ele então me contou uma história que era para ele o principal significado daquela foto, e que depois adaptei para o livro “Vida com Qualidade”.
Desembarcou no Pantanal com todos os aparatos para uma perfeita pescaria: aquele colete especial cheio de bolsos, vara superflexível com carretilha norueguesa, iscas de última geração, sofisticados repelentes e filtros solares. Quando se vê instalado no bote, contemplando aquele rio lento e generoso, olha para a outra margem e vê um caboclo de cócoras, junto ao barranco, pescando com uma tosca vara de bambu. Ao seu lado, uma velha sacola onde já repousa um tambaqui. Depois de um tempo, curioso, o empresário em férias decide aproximar-se e puxar assunto.
– Bom dia!
– … dia – responde o caboclo.
– O senhor pesca para vender?
– Não senhor…
– Então é para sua família?
– É…
– Se você tivesse uma vara melhor, talvez pudesse pegar mais peixe e vender a sobra para o restaurante do hotel.
– Pra quê? – responde o caboclo.
– Daí você ganha dinheiro para comprar um barco.
– Pra quê?
– Para pegar mais peixe e vender no povoado.
– Pra quê?
– Então você vai ter dinheiro para comprar mais barcos e colocar mais pessoas pescando por você.
– Pra quê?
– Aí você poderá vender seus peixes também na cidade.
– Pra quê?
A conversa seguiu nessa linha. O pescador sempre respondendo desse mesmo jeito e o empresário articulando seus planos, que iam crescendo: um barco pesqueiro equipado com sonar, caminhões frigoríficos, escritório na Paulista, ações na bolsa, trading company, website…
– Pra quê? – continuava o pescador, tirando do anzol mais um tambaqui.
– Então você pode tornar-se o maior exportador de peixes do Brasil e ficar milionário!
O caboclo tira outra minhoca da latinha, coloca no anzol, joga novamente a linha na água e responde lentamente, com outra pergunta:
– Pra quê? Para depois tirar férias a cada cinco anos e ficar uma semana fazendo isso que eu posso fazer todos os dias?
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O que é qualidade de vida? Fiz uma pesquisa informal sobre isso, distribuindo um questionário a 2 mil pessoas, durante algumas palestras que realizei para empresas em várias regiões do País. Solicitei às pessoas que numerassem, em ordem de importância, uma lista de 29 itens.
Percebi então, a partir dos resultados dessa enquete, que a idéia de qualidade de vida é relativa. Varia muito, conforme o sexo, idade, estado civil e posição social. É claro que alguns itens são quase unânimes: ter boa saúde, por exemplo. Tanto é que muita gente diz: “mais vale ser pobre com saúde do que rico e doente” – embora eu discorde disso, pois acho que “mais vale ser rico e com saúde do que pobre e doente”.
O que pude apurar é que o que faz alguém sentir-se feliz não é um motivo igual para todos. Depende do contexto, do momento, da idade, do lugar, das circunstâncias…
Mas há uma regra geral: sentir-se bem não é algo que está fora de você. Está em seu próprio sentimento, em seu próprio coração. Ou seja, qualidade de vida é, antes de tudo, um estado de espírito.
Melhorar esse estado de espírito é um grande desafio das empresas, que passam a considerar o fator humano como seu principal componente estratégico. As pessoas não podem ser vistas somente como um “fator de produção” a ser otimizado, minimizado ou eliminado, mas sim como uma fonte inesgotável de valores. Pois uma pessoa adequadamente selecionada, bem treinada, corretamente apoiada e, acima de tudo, comprometida, terá muito mais capacidade de contribuir para as metas de uma organização.
Falar em qualidade, desempenho, produtividade e outras palavras como essas pode não levar a nada se, na base disso tudo, não estiver a qualidade de vida. Não só no que diz respeito às condições de vida das pessoas que trabalham na empresa e de suas famílias, mas também na qualidade do ambiente de trabalho.
Passamos boa parte de nossa vida no trabalho. Se o ambiente profissional fizer com que as pessoas desejem que o fim-de-semana chegue logo para se sentirem melhor, ou se elas vivem com as mãos no trabalho e a cabeça nas férias passadas ou futuras, é porque alguma coisa está errada. Se isso acontece, todos saem perdendo: as pessoas e a empresa.
A tecnologia está aí, as técnicas de marketing são fundamentais, mas a qualidade de vida também se impõe como um fator competitivo de primeira grandeza.
Qualidade de vida na empresa significa: um ambiente ágil, focado, flexível, saudável, entusiástico e divertido.
Agilidade – Os técnicos de futebol de alguns anos atrás costumavam usar uma regra de ouro em suas equipes: “Temos que chegar juntos!” Os técnicos da nova geração pensam diferente e dizem: “Temos que chegar antes e sair jogando.” Como costumo afirmar: não é o grande que come o pequeno, e sim o rápido que come o lento. Mas a agilidade contém uma armadilha: se não for bem dosada, tem vida curta, esgota-se, provoca estresse. Tão importante quanto a agilidade é estar sempre em condições de ser ágil quando necessário.
Foco – A realidade atual nos oferece tantos estímulos, tantas informações e opções novas a cada minuto, que vivemos correndo o risco de nos dispersar em relação aos nossos objetivos principais. Quanto maior amplo é o alvo, maior deve ser a pontaria para atingirmos o ponto desejado.
Flexibilidade – Já houve tempo em que a pessoa aprendia um ofício e ficava fazendo aquilo durante anos a fio. Hoje, a empresa e os profissionais precisam ter bastante flexibilidade para trabalhar de várias formas diferentes, de acordo com as circunstâncias, porque a realidade muda com muita rapidez e adquire contornos inesperados. Flexibilidade inclui polivalência. No jogo de xadrez, a dama é polivalente: movimenta-se em todas as direções; quem a perde, praticamente perde o jogo.
Saúde – A responsabilidade da empresa com a saúde dos seus integrantes não se limita à garantia de atendimento médico. Essa responsabilidade adquire hoje uma dimensão muito mais complexa, com novas doenças que surgem ou antigos males que se agravam em função das condições de trabalho. É o caso da L.E.R. (lesão pelo esforço repetitivo), que tem sido considerada a doença que mais cresce no mundo e, só nos Estados Unidos, tem custado em torno de 20 milhões de dólares por ano em indenizações que as empresas são obrigadas a pagar aos seus empregados. O estresse é o mais marcante dos males que afetam a qualidade de vida nas empresas em nossos dias. Já existe na maioria das empresas uma razoável consciência quanto aos prejuízos provocados pelo estresse, mas ainda é muito pouco o que se faz para evitá-lo. Importante frisar que esse problema atinge não apenas executivos, mas também afeta pessoas de todas as idades e classes sociais.
Entusiasmo – É a fonte de energia mais poderosa para o trabalho. E depende essencialmente da qualidade de vida, pois as condições insatisfatórias de saúde e motivação, por exemplo, debilitam ou mesmo anulam a base para que o entusiasmo se manifeste em cada um e na equipe. Na forte concorrência do mundo de hoje, é importante que o entusiasmo se irradie por todo o ambiente de trabalho para que a empresa seja realmente competitiva e atinja plenamente seus objetivos.
Bom humor – Implantar na empresa um ambiente divertido é um novo desafio para as lideranças. O humor é indispensável, não somente para a carreira individual, mas para todo o ambiente de trabalho. Aumenta a criatividade e neutraliza a resistência à mudança. Não pense, porém, que basta decorar algumas piadas e contar para sua equipe. Não é desse tipo de humor que estamos falando. Você não precisa necessariamente ser engraçado, mas precisa ver as coisas de um modo mais leve, deixar vir à tona seu senso de humor inclusive nas situações difíceis.
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A mudança mais notável no campo dos Recursos Humanos em nossos dias é que empresas de todas as áreas passam a prestar mais atenção ao ambiente de trabalho. Esta é a mudança mais notável no campo dos Recursos Humanos em nossos dias.
Como diz Peter Drucker, “no mundo dos negócios, cada vez mais competitivo, as empresas começaram a almejar indivíduos inteiros, com cérebro e coração.” Se a empresa não estiver humanamente afinada, poderá buscar os mais famosos consultores e não haverá fórmula mágica que realmente funcione.
A qualidade de cada produto ou serviço está na qualidade de vida da empresa. A vida com qualidade está dentro de cada um.